fado
ao ouvir recentemente a Sónia Tavares cantar o fado Gaivota pensei um bocadinho mais em ti
também tu me cantavas esse fado
recordei então os serões em que chegavas de surpresa
alegravas a avó e sentavas-me à tua frente para te ouvir trautear os fados que te iam na alma
o fado da tua Lisboa
o fado da minha Lisboa
o fado dos teus amores perdidos
o fado da minha saudade
o fado simplesmente
e falavas-me do Carlos Ramos e do Marceneiro e da Hermínia e de outros cujos nomes não consegui fixar mas que também não eram importantes para mim
o importante eras tu
de olhos fechados davas vida a cada palavra que cantavas e fazias crescer em mim a paixão pelo fado
dizias-me que não era possível ser lisboeta e não gostar do fado
que não era possível ser português e não amar o fado porque o fado é o sangue que nos corre nas veias e a alma que nos bate dentro do peito
foi contigo que aprendi a gostar de fado
na última vez que nos falámos estavas longe de Lisboa e disseste-me para ir ter contigo para falarmos destas coisas dos fados
eu disse que sim
queria recordar os tempos passados e cantar contigo a saudade que nos consumia verozmente
e eu fui ter contigo mas não cheguei a tempo
cantavas já o teu fado
e entre lágrimas e gritos e lamentos desesperados dos outros eu ainda te consegui ouvir
se uma gaivota viesse
a gaivota veio trouxe-te o céu de Lisboa e foi o bastante para ti
e para mim também